sobre ela

Eu quero contar uma história, mas não sei exatamente como passá-la para o papel.
Há certas histórias, que nunca fazem justiça.
Sejam elas passadas de geração em geração, escrevendo-se livros, ou até passando para uma grande tela de cinema.
Haveria sempre qualquer coisa, qualquer encanto que se haveria de perder.
Deixa-me contar-te a história da rapariga que vi, ao longe, sozinha, a escrever sobre o que nunca tinha sentido.
Sobre a rapariga que escreveu sobre o momento em que quase se apaixonou, em que quase foi feliz, e deixou escapar as estrelas por entre os dedos.
Deixa-me dizer-te o quanto ela agradecia por toda a tragédia, que lhe tinha picado e massacrado o corpo durante tanto tempo.
Como sorria e dizia "Foi preciso".
Estou a vê-la neste preciso momento, e descrevê-la torna-se quase impossível.
Poderia ser básico e contá-la como a mulher que ficava sempre ao canto de qualquer concerto.
Podia dizer-te que ela era bonita, que era diferente, que tinha um jeito de ser com as pessoas que gostava muito especifico, ou que os sítios paravam quando ela entrava.
Podia dizer-te que não se vestia como as outras, que tinha tiques nas mãos infinitos, que gostava de fotografia e de ler, que dormia sempre de janela aberta, e que a meio da noite quando acordava, sentava-se nela e punha-se a contemplar o que saberia nunca atingir.
A paz e o céu.
Como olhava de forma melancólica para as casas em frente, e se virava minutos depois para mim de sorriso no rosto, e me dizia "Como é que eles conseguem estar tão calmos com a ideia de viver felizes?".
Que sonhava mais alto que qualquer outra rapariga, e que se ria, ria-se muito, unicamente quando tinha vontade.
Que não fingia amar ninguém, mas que conseguia sentir amor pelos que não conhecia.
Que era estranha, ó se era estranha...
Falava muito sozinha, esfregava a própria cabeça no ombro, como alguém que desistiu de precisar do amor alheio para se aconchegar.
Foi a única pessoa que até hoje vi beijar as próprias mãos, e que enquanto girávamos de mãos dadas no meio de tanta gente, ela sorria-me, sem mostrar os dentes, e dizia as coisas mais improváveis de sempre.
Desde que o mundo era dela, até que não tinha existido mundo até me conhecer.
Instável, incerta, inconstante.
Podia facilmente passar por louca aos olhos de quem não a conhecia, mas era um pouco mais que isso.
Ela era sempre um pouco mais que toda a gente, e talvez seja esse o motivo pelo qual ainda lhe escrevo.
Usava preto no verão, enchia-se de cores nos dias de trovoada.
Era brutalmente feliz nos dias em que não lhe acontecia nada demais, e nos outros, era apática.
Apetecia-me perguntar-lhe o que é que doía, mas há respostas que ninguém nasceu para ouvir.
Quis sempre dizer-lhe tudo, de uma vez.
E às vezes, sabe que me forcei a ficar acordado para te ver dormir.
Eu amei-a como o amanhã não fosse acontecer.
Ela amou-me como se o hoje fosse tudo o que precisava.
E no meio desse amor, que nunca foi igual para os dois, mas que me encheu como nunca, deixei-a escorregar por entre as mãos.
Como gelo, quando olhei já não lá estavas.
Deixaste-me porque achavas que não te amava o suficiente.
Querias viver uma grande história de amor, e eu não soube dar-te isso.
Para ti amar alguém era o extremo de tudo.
Não vivias como a maior parte das pessoas.
Estar apaixonada para ti era comer o ar, era acabar com a noção do tempo, não existir aniversários de namoro, era casar depois de se apaixonar, casar almas como dizias.
Era fundir-nos um no outro, fugir das pessoas.
Ver o nascer do sol e quase te afogares.
Gostavas de sentir isso, que estavas viva.
Querias comer o mundo, escrever o mundo, ouvir toda a música que achavas com significado, a meu lado.
Querias fazer coisas improváveis a meio da noite, cortar o meu nome em ti até que cicatrizasse.
Querias que fossemos uma memória permanente e pouco saudável, na vida um do outro.
Era isso que dizias com o teu jeito de menina.
"Quero amar-te tanto, para que quando nos deixemos, nunca mais tenhas a capacidade de te apaixonar".
Não tínhamos sido feitos um para o outro, mas tu lutavas contra isso.
Estavas habituada a aceitar que nada ia ser fácil em ti.
Do amor ao caótico era rápido, pelo menos connosco.
E isso tinha dois efeitos em mim, a vontade de te amar ainda mais, e o medo em te ver partir.
E oh, como eu me transformava quando pensava em te perder.
Quando te calavas, eu nunca te forçava a falar, embora te visse a bater a perna.
Achava que deixar-te no silêncio, ia fazer com que te esquecesses das palavras que me tinhas guardado.
Foi um erro, mas dizer que não te amava foi outro.
Sabe que o tamanho do universo é três vezes maior do que pensas, e a tua existência, era a única certeza que me acalmava.
Sabe que não foi fácil para mim, o dia em que me deixaste.
Em que bateste porta fora, enquanto não dizias uma única palavra.
Tu que sempre tinhas tanto para dizer.
Embrulhando todas as tuas roupas estranhas, cartas e amuletos da sorte, na mochila que nunca vi que tinhas. 
Tínhamos acabado de discutir, e tu olhaste-me sem me focar, e disseste-me que te ias embora.
Nunca te agarrei na mão, ou disse-te para ficares.
Talvez tivesse sido o necessário.
Deixei-te acreditar que eras capaz de me virar costas, porque não achei que fosse durar muito tempo.
Achei que o céu que olhávamos, ainda tinha muito para se ver.
Que ainda nos íamos deitar mais vezes, acordar mais vezes, estar mais vezes.
Que ainda nos íamos grudar, tornar-nos um, mais vezes.
Sabe que sempre achei que fossemos ficar juntos, que íamos ser pais, e que talvez aí, tu deixasses que o silêncio fosse uma coisa boa.
Que o teu lado caótico ia acalmar.
Sabe que te quis mais quando te vi ir embora.
Que foi estranho ver-te a limpar as próprias lágrimas, com um braço estendido em direcção contrária e de mão aberta, como quem me diz para não me aproximar.
Como conseguiste arrumar as tuas coisas?
Enquanto te consolavas, organizavas e impunhas com o teu jeito estranho, uma distância considerável da minha pessoa?
Falavas contigo mesma enquanto te preparavas para me deixar, mas nunca quiseste-me ouvir a mim.
Talvez te tenhas fartado do meu silêncio, embora fizesse parte de mim.
Nunca quis tanto dizer-te que te amava, como quando te vi destruída.
A miséria assenta-te bem e estavas mais bonita do que nunca.
Mas era tarde demais, afinal o silêncio também pode matar alguém.
Vejo o teu sorriso estranho em pesadelos, em sonhos vejo-te à beira da janela.
São as mulheres como tu que dão origem a filmes, a murais, a quadros, e a livros.
Foste tu que criaste o suicido, a vontade de viajar, os casamentos falhados e as relações curtas.
Onde é que estarás, é o que me pergunto nos dias em que me encontro realmente sozinho.
Perdi-me no dia em que me deixaste,e por muitos caminhos ou estradas em que me tenha enfiado, nenhum me levou de volta a ti.
Às vezes dizem-me que te viram.
Nunca sabendo a quantidade de vezes que te vejo durante o dia.
Vou-me lembrar de ti.
Do teu cheiro, do nosso quarto, da tua música e dos teus livros, das tuas pernas e das tuas mãos, dos nossos corpos e do conforto que encontrei na junção; de fazer amor contigo e de dizer que te amava enquanto já dormias, do teu sorriso e de como me fez rir outra vez.
Vou-me lembrar do teu corpo a ir embora, tanto como me lembro dele a chegar.
Naquele dia, em que nunca mais questionei o que era amor.
Eu amo-te.
Espero que os nossos fantasmas não te comam viva, como o fazem comigo.
Espero que te consigas sentir viva, sem teres que te meter a jeito.
E que na realidade, encontres alguém que te encha a sala de falas, de música, que te dê resposta e te ofereça um pouco mais do que te deixar ir.
Porque eu deixei-te bater a porta, mas nunca te a fechei, dentro da confusão que era ser eu.
Eternamente.



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