para os vampiros do MEU país

Chamo-me Inês, tenho vinte e quatro anos, nasci em Faro.
Sou Licenciada, tenho uma pós-graduação, podia enumerar todos os sonhos e vontades que trago em mim, mas antes de tudo isso, sem sequer muito importar o que a escola me deu, sou Portuguesa.
Melhor ainda, tenho orgulho em o ser.
Tenho orgulho, porque muito além de ter cá nascido, acredito que sou filha de uma terra de gente humilde e de bom coração.
Sou filha de uma terra de pescadores, de agricultores, de artistas, de cantores de rua, de gente que se abraça muitas vezes sem motivo, de mulher lindas, de homens igualmente bonitos.
Sou filha de um país de mar, de fotografia, de ruas de calçada.
Sou filha da boa cozinha, da boa música, das festas populares, e dos intelectuais de rua.
Sou filha do Zeca Afonso, da Amália, do António Aleixo.
Sou filha dos poetas, dos corações partidos, do meu país.
Sou filha de toda a gente que me faz ter orgulho da minha terra, sejam eles jogadores de futebol, bombeiros, enfermeiros, voluntários, reformados espalhados pelas serras, pintores e músicos.
Pondo isto de parte, no outro dia, num dia vulgar, uma menina, fez-me a pergunta mais básica de sempre, mas que eu, sendo licenciada, tendo estudos e acreditando ter sido educada por gente educada e humilde, não soube responder.
Perguntou-me o porquê, de existir gente sem dinheiro.
Na minha pressa respondi-lhe que infelizmente, não nos cabia a nós por vezes decidir isso, ao qual ela me respondeu ainda mais depressa, "Mas se somos nós que criamos o dinheiro, porque é que não o temos todos?".
Fiquei tão triste, sem conseguir responder a uma miúda de cinco anos, que quando cheguei a casa fiquei realmente a pensar no que me tinha perguntado.
Lembrei-me também da outra parte, que em nada envolve o meu país, só os senhores, que de senhores nada têm, que se acham donos de algo que nunca foi deles.
Lembrei-me do que também sou filha.
Lembrei-me que sou filha da geração à rasca, mesmo que de rasca não tenhamos nada.
Que a minha geração foi rotulada de uma geração com pouco para dar, sem emprego, sem estudos, sem vontades.
Lembrei-me do Ministro do meu país vir em direto à minha televisão, aconselhar os jovens a emigrarem.
Enquanto se senta, e abastece do esforço do povo.
Lembrei-me do Presidente da República vir-se queixar também em directo, que a reforma de dez mil euros não o deixava sobreviver até ao fim do mês.
Lembrei-me que nos enchem os ouvidos, de como nascemos na época das oportunidades, mas em que temos de pagar para sermos o que quisermos.
Lembrei-me dos cinco mil euros que a minha família gastou para eu poder ir para a Universidade, e lembrei-me de todos os outros que ficaram pelo caminho.
Lembrei-me da TRETA com que nos enchem os ouvidos diariamente, e da forma apática com que a aceitamos.
Mas como posso eu, explicar isso a uma miúda de cinco anos?
Como é que lhe eu vou dizer, que vivo num país governado por criminosos?
Como é que lhe vou explicar, que o nosso sistema, está feito para prender o pequeno traficante, o pequeno ladrão, o cigano, o preto, e o do bairro?
Mas que não prende quem roubou milhões, que não prende os grandes barões da droga, do crime, porque muitas vezes, são os mesmos engravatados que nos põe a mão ao bolso?
Como é que lhe vou explicar, que enquanto o senhor ex presidente da republica recebe dez mil euros de reforma, o velho que se matou a trabalhar no campo para lhe meter a comida na mesa, recebe uma pensão que não chega aos trezentos euros?
Como é que lhe vou dizer, que o bebé que chora na maternidade já tem o destino traçado desde que nasceu, e nem sabe?
Que tem o sistema educativo já feito, preparado para formatar ovelhas, em vez de lhe trazer o melhor ao de cima?
Que ao entrar na escola se não for bom a Matemática ou a Português, não é inteligente?
Que será possivelmente encaminhado para uma turma qualquer de necessidades, porque não é igual aos outros?
Que foi feito, para se perder no sistema, porque dá jeito.
Que a música, o teatro, o desporto, as artes, o desenho, e o que te faz verdadeiramente feliz, não lhe vai pôr comida na mesa?
Como é que lhe vou dizer, que ser feliz é um absurdo?
Como é que lhe vou explicar, que se tiver nascido numa família humilde, não vai ter o mesmo acesso à Educação?
Que não vai poder ter aulas de música, frequentar teatro, ir para a Universidade com a mesma facilidade, que vai pertencer ao SASE, que não vai usar as mesmas roupas, as mesmas mochilas, e que vai ser carimbado desde novo, como alguém que é possível não chegar a lado nenhum?
Como é que lhe explico, que o nosso ordenado mínimo mal dá para comer?
Que há mães a deixarem de comer para darem pouco aos filhos?
Que há pais a matarem-se a trabalhar, para garantirem que ainda têm tecto ao fim do mês?
Que nos matamos a trabalhar, para pagar uma dívida, que não fomos nós que contraímos?
Que pagamos para os nossos políticos andarem em grandes carros, com grandes equipas de segurança, quando nunca nos protegeram?
Como lhe vou explicar, as casas onde vivem?
Como é que lhe explico, que as famílias mais ricas de Portugal, são as mesmas de há anos e anos atrás?
Que se casam uns com os outros, que detêm a maior fortuna do nosso país, sem nunca terem sujado as mãos?
Que gastam o que ganhamos num mês, num dia, em nada?
Como lhe explico, as cicatrizes das pessoas do meu povo?
O cansaço, a demência, a falta de fascínio e de amor por viver?
Como lhe explico as diferenças entre médias da universidade pública, e da privada?
E que mesmo que um dia consiga ir para a Universidade, hoje em dia isso não lhe dá grandes garantias sem uma boa cunha e um bom berço?
Que o desemprego foi criado por eles, porque quanto mais gente tivermos sem recursos, mais se vão contentar com pouco?
Como lhe vou explicar que a geração da casa dos segredos, de reality shows, de capas cor-de-rosa, foi também criada por eles?
Como lhe vou explicar que as drogas são proibidas, mas que o álcool, está à venda para toda a gente?
Que a indústria do álcool, do tabaco, e do sexo, são das que mais lucram à face do planeta?
Que vive na probabilidade enorme de nascer numa família com alcoólicos?
Que temos pedófilos à solta, mas gente que rouba para comer presos?
Como lhe vou contar, que os homens armados com a missão de nos manter seguros, são os que entram bairros a dentro, em sítios com nada, e agridem gente da vida sem nada a esconder?
Como lhe digo, que quem não tem dinheiro, não tem o mesmo serviço de saúde dos outros?
Que estão a morrer em casa? Em filas de espera?
Que os velhos são deixados a morrer, que os jovens não conseguem trabalho, e que vivemos num ciclo de pagar contas, para engordar os senhores, que do outro lado ficam nas suas grandes casas e mansões?
Como lhe explico, que o senhor que dorme na rua, não o faz de livre vontade?
Que a fome é horrível, que os nossos sonhos não valem nada, e que embora o nosso país seja lindo, sangra!
Sangra todos os dias, por sermos milhões, a depender de uma mão de gente sem nada para dar?
Que nos sugam, nos ordenam, nos matam enquanto ainda vivemos?
Como lhe conto, que já não pensamos em ser pais, em ter vidas fixas?
Como lhe falo do suicido, da geração de filhos únicos, do divórcio, da mão estendida em filas de trânsito?
Como lhe digo, que os verdadeiros criminosos, não são os delinquentes?
Que foram um fruto, de um grupo de gente engravatada, que enche os bolsos a cada segundo, por eles existirem?
Que os verdadeiros criminosos são eles, os que nos aparecem na televisão, os que se sentam atrás de grandes postos de trabalho, e que mesmo assim, quando saem à rua, o povo lhes bate palmas?
Como lhe digo, que embora nunca tenhamos feito nada, somos os culpados?
Que a morte sai à rua todos os dias, porque estamos todos mortos.
Vivemos sem nunca viver.
Ela tem só cinco anos.


Comentários

  1. Menina! és mais q uma menina!

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  2. "Como lhe vou contar, que os homens armados com a missão de nos manter seguros, são os que entram bairros a dentro, em sítios com nada, e agridem gente da vida sem nada a esconder?"

    BRUTAL

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  3. Inês és muito mais q uma mulher que escreve sobre amor,sobre corações partidos,whatever! tu és o passado,o presente,e o futuro.és do povo,por isso há tanta gente q te ama.confesso,nunca achei piada,até agora. q mulher meu Deus!eu votaria em ti!és linda linda linda.Q Deus te leve onde mereces,ao ceu!

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  4. A solteira mais cobiçada de Faro, kkkkkkk

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  5. Mais do mesmo, populismo generalista com muitos (?) e nenhuma resposta/solução. Usar a inocência de uma criança para dar força ao populismo sentimentalista foi muito bem pensado, dá sempre mais um toque de sinceridade. Só tinhas que responder que um dos maiores problemas é o efeito secundário nefasto do capitalismo apártida (obviamente por outras palavras). Ajudemo-nos a criar a utopia que tanto queremos, só é impossivel se ninguém a tentar. Em vez de culpar os engravatados (como sempre), ponham voçês a gravata e mudem isto para melhor, é o meu objetivo de vida criar um partido e aumentar a auto-estima deste povinho dividido e indoctrinado para pensar que não consegue, enfim, tanta coisa... Se queres mesmo solução para isso tudo, prepara-te, tens que mudar muita coisa na Constituição para se poder governar sem esse colete de forças, e para isso é preciso que as pessoas começem a votar em algum partido que lhes traga as respostas, as soluções, e a esperança/confiança na sua figura de poder. E nenhum destes 6 partidos elitistas recicladores do poder desde 74, clones uns dos outros irá dar. Provavelmente já me vão colar o rótulo de fascista, lembrem-se que essa é a palavra mais mal usada do século. Noticia do JN-"Importante, frisou o chefe de Estado, é que os portugueses não deixem de perseguir a utopia na sociedade, na economia e na política, mas de forma plural, porque só assim se foge ao populismo antissistema". A ausência de pluralidade, sublinhou, <<<>> Remover as palavras com *>>> Se fosse uma democracia participativa em que qualquer questão de intresse publico, fosse referenciada em vez desta democracia(?) representativa que temos em que podem fazer o que querem, e se fosse obrigatório votar, o Sr. P.R estaria correto. Assim só prova o quão inutil é um semi-presidente.

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    1. "A ausência de pluralidade, sublinhou, "não* serve a democracia, não* serve o Estado de direito, não* serve a Constituição e, sobretudo, não serve os portugueses"

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    2. Claro mas e que tal te identificares? Começava por ai

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  6. eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada

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  7. Dentro de cada um de nós temos as respostas para mudar consciências. Só assim mudando-nos a nós próprios poderemos depois mudar a sociedade, o sistema...

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  8. Fantástico, um excelente resumo e uma grande visão desta loucura que são estas nossas sociedades actuais.
    Análise muito bem conseguida e que te separa claramente do resto dos "whatevers" da tua geração, demonstras uma grande sensatez que está muito para além dos teus anos.
    Continua miúda, estás de parabéns!

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