Eles

Estava apaixonada por um homem que não existia.
Não o via, não o sentia, não sabia dele, não sabia se estava feliz ou de coração partido.
Como é que nos despedimos de alguém, que dentro de nós, sabemos, que haveria de dar uma história de amor fora do normal?
Não sei, mas por aqui pareceu-me a maneira mais simples e bonita de o fazer. Ser simples e doer, é sempre o ingrediente secreto de qualquer receita de amor.
Pelo menos, comigo.
Um dia o meu ex-namorado disse-me que a vida era curta demais, e que nós ainda a encurtávamos mais a passá-la ao lado de quem não gostávamos.
Foram essas palavras que me lembrei quando cada um foi para o seu lado, porque sinceramente, eu não consigo estar ao lado de alguém, senão for tão forte ao ponto de me fazer sentir louca e certa, as vinte e quatro horas do dia.
Quando nos despedimos, ele disse-me "Ainda não foi desta que morreste de amor". E sorriu-me.
Vi-te aí, mesmo antes de te ter visto.
A vida é realmente curta demais, para as pessoas se deixarem ficar.
Ficarem em relações porque sim, porque dá jeito, porque é um hábito ou uma monotonia, porque têm filhos, porque talvez não encontrem alguém melhor, porque se calhar têm medo de dormir sozinhos, porque os amigos são os mesmos e a família também, ou porque morrer de amor por alguém dá muito trabalho, e por vezes pode ser fatal.
Eu hoje estou aqui, amanhã posso já não estar.
E por isso desde que me lembro de ser mulher, que me recusei a beijar estranhos ou a ter casos de uma noite.
Cresci a ver relações falhadas à minha volta.
A dos meus pais, as do meu pai, a da minha mãe.
E agradeço todos os dias por ter visto o meu pai chorar por uma mulher, ou a minha mãe a enlouquecer por amores que não deram certo.
Só assim entendi muito nova, e entendo, o quanto as pessoas precisam de morrer de amor, para acordarem para a vida.
A vida passa-nos ao lado, e nós nem damos por ela.
Estamos todos preocupados a agradar pessoas que não gostamos, que não queremos, e que não conhecemos.
A minha mãe lutou desde que sou pequena para me preocupar por o que os outros pensam.
Até que me disse, "Já chega, vive o que tens a viver. Não és deste mundo. Mas és minha."
Então é para ti que escrevo, todos os dias, uns com a alma cheia, outros de alma farta, por seres cobarde em relação ao amor.
Não gosto menos de ti por isso, aprendi a gostar de ti mesmo assim.
Estupidez minha, não aprendi coisa nenhuma.
Gostei de ti antes de te conhecer.
Ler o que escrevi, anos antes de te ter posto a vista em cima ou te ter abraçado, faz-me achar que talvez, num outro sítio qualquer, ou noutro planeta que não este, já nos cruzámos.
Gostei de ti a primeira vez que te vi.
É quase tão evidente, como a forma que tenho de não te olhar muito tempo nos olhos.
Odeio gostar de ti, mas sinceramente é a única forma que sei de gostar.
Odiar e querer-te muito, ao mesmo tempo.
Há dias em que a minha cabeça se esquece de ti.
Não da tua voz, nem da forma como andas, mas da forma que te quero.
Deve ser a minha sanidade mental, ou o que resta dela, a dizer que já chega de merdas.
Como seres humanos que somos, dentro de nós, há sempre uma parte que quer viver um grande amor.
Não falo daqueles amores das nove às cinco da tarde, nem daqueles de café ou de cinema.
Falo daquele tipo de amor que nos deixa completamente descompensados.
Que nos marca, que nunca mais nos deixa ser a mesma pessoa.
Aquele tipo de amor que permanece, mesmo quando assentamos ao lado de alguém.
Aquele tipo de amor que só existe dentro da nossa cabeça, porque estamos todos demasiado assustados para sairmos à rua e o encontrarmos.
Um amor que parece quase tão longe de nós, como as histórias da carochinha e as fábulas que nos contaram.
Aquele tipo de amor, "Eles conheceram-se, e a vida nunca mais foi a mesma."
Eu conheci-te. e a vida continuou a mesma.
Continuei a dançar todos os dias, a deitar-me às horas a que quero.
Continuei a ouvir a música que tu gostas, e a ver filmes que mais ninguém quer ver.
Continuei a tentar encontrar-te em dias de nada, e em pessoas que não sabem falar da mesma maneira que tu.
É uma merda, mas se ficarem caladas, quase que te consigo ouvir.
Às vezes parece que te vejo.
Mas nunca te vi.
Se calhar a vida pôs-te no meu caminho, para subir os meus padrões.
Se calhar foi só para compreender, que nem todas as pessoas que se gostam, ficam juntas.
Ou então, que tomar o caminho mais fácil faz parte dos mais fracos, mesmo que aparentem estarem cheios de força.
O meu pai diz que estou a escrever melhor, que ingénuo.
Que a vida te trate de maneira gentil, no dia em que te perderes, nas mil e uma mentiras que contaste a ti próprio.
Talvez ainda te queira nesse dia, e mesmo que não aconteça, podes sempre lembrar-te dos dias em que te quis.
É mais do que pudeste oferecer.



Comentários

  1. Inês Alegre... não há palavras para ti. A sério, que isso sai de ti? Nunca li uma merda tão forte. Alguém que agarre esta miúda e faça dela um simbolo!!!! MULHER DE GARRAS! Adoro-te e nem te conheço!

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  2. You should be aware, whit a woman whit a broken heart.

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  3. Força da Natureza!!!

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  4. achas é ilusão, não existe. não existes.

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  5. Eu não gosto de ti, não gosto da tua postura, nem da forma fria que olhas para as pessoas nem para quem não seja "teu querido".. mas uma coisa tem de se dar, mérito às tuas palavras.
    És boa, nem que seja só nisso.
    Aproveita o teu dom.

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  6. Inês, esta música és tão tu...
    Adoro-te. https://www.youtube.com/watch?v=1XmwiwQjU8E

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  7. https://www.youtube.com/watch?v=9XV7WDGsgNk ouvi com esta, e fez sentido.

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  8. Continuei a tentar encontrar-te em dias de nada, e em pessoas que não sabem falar da mesma maneira que tu.
    É uma merda, mas se ficarem caladas, quase que te consigo ouvir.
    Às vezes parece que te vejo.
    Mas nunca te vi.
    Se calhar a vida pôs-te no meu caminho, para subir os meus padrões.
    Se calhar foi só para compreender, que nem todas as pessoas que se gostam, ficam juntas.
    Ou então, que tomar o caminho mais fácil faz parte dos mais fracos, mesmo que aparentem estarem cheios de força.


    BRUTO.

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  9. És especial! Parabéns! Não percas a tua essência...

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  10. Mini paraíso. Grande Inferno.

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  11. "Talvez ainda te queira nesse dia, e mesmo que não aconteça, podes sempre lembrar-te dos dias em que te quis.
    É mais do que pudeste oferecer."

    chorei.

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  12. Para quem escreves tu doce...

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    Respostas
    1. Essa miuda chama-se mistério. Ele não existe, só dentro da cabeça dela. Como ela o diz

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  13. És fantástica Ines... revejo-me em tudo o que escreves. Por vezes choro, mas sinto que não sou a única. Tens um dom! Parabéns!

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