Ressaca

Pensava que ia morrer à uns dias atrás. Tinha um nó na garganta, um punho fechado no estômago, estava atordoada e andava aos zigues-zagues. Os meus olhos estavam mais que vidrados, e desta vez não foi porque andei a fumar estupefacientes. Dormi mil e uma vezes em poucos dias, na casa dos meus avós, o único sítio em que consigo ter alguma estabilidade mental, que me traz boas memórias, e que me consigo ouvir a mim própria em criança a correr, a trotear e sem segundos problemas.
Estava farta da imagem que via ao espelho de mim própria. Tinha-se perdido qualquer coisa. O cheiro, o sorriso, a côr. Se bebia demais à noite e dançava até cair, então de manhã acordava a desejar estar ressacada e com alguma coisa no estômago para vomitar sem ser memórias.
Não sei o que aconteceu do dia para a noite. Sei que cheguei a querer fazer um pacto com o Diabo, mas como isto não é a Emily Rose não acordei no tecto do meu quarto com a chance de mudar alguns aspectos da minha vida.
De repente fez-se luz na minha cabeça. Para todas as pessoas que gostam de ler os meus textos, nos ultimos dias mais de duas mil pessoas entraram na minha página, leram o meu "adeus amor", na despedida mais simples e modesta que fiz ao homem que um dia pensava vir a ser o meu braço direito. Umas bastante contentes, outras com vontade de chorar porque se importam comigo, e outras com vontade de chorar por elas próprias porque se associam com o meu sofrimento.  As pessoas gostam de saber que outras estão mal, porque assim sabem que não são as únicas.
É difícil despedimo-nos das pessoas que amamos de verdade. Mas depois de me fartar de ficar petrificada a olhar para o nada, e a lembrar-me de tudo, ocorreu-me que não é impossível.
Estar a sofrer não tem mal. Eu prefiro encarar que estou a sofrer e que quem passe por mim o saiba, assim como desejo a todas as outras pessoas que se assemelhem na mesma situação, do que fingir estar. No dia em que eu sorrir e ganhar côr na ponta dos meus cabelos, é porque estou mesmo bem. Recebi muitas mensagens no meu telefone, mensagens de amigos do meu "namorado" a desejarem-me força e que gostam muito de mim, mensagens de pessoas que me adoram e querem saber ao certo o que me partiu o coração, e depois não recebi mensagens de ninguém que estava à espera. Que me fez abrir os olhos e a cabeça, e compreender o tempo desperdiçado em cima de amostras de gente. Hoje compreendi a expressão da minha mãe.Quando ela me dizia que "Quem nasceu lagarto não chega a crocodilo, e ser uma Pessoa ainda tem alguma coisa que se lhe diga".

Há um momento na nossa vida, que não sei explicar exactamente nem o quando ou o porquê de acontecer, que algo faz luz em nós. Dentro de nós. Aquilo que dizemos muitas vezes "Não te esqueças de gostar de ti primeiro do que os outros", só faz sentido na minha cabeça, quando nos sentimos realmente sozinhos. Comecei a "re-gostar" de mim. Andei tanto tempo apaixonada pela mesma pessoa, que aos meus olhos, não havia nada nem ninguém melhor que aquilo. Apaixonei-me por ele no primeiro dia que o vi. E isso mostra da minha parte uma infantilidade extrema, e uma confiança plena em amores verdadeiros e para sempre, que na realidade, não existem. A culpa não é da Disney, a culpa é daquilo em que escolhemos acreditar desde que sentimos o coração a bater por alguém.
E eu sempre fui uma rapariga que não acredita em vários amores, nem em vários namorados, nem em caminhos duplos ou escolhas múltiplas, eu acredito numa única pessoa, num único sentimento, e numa única vida.

Por isso mesmo caíu-me tudo aos pés. E depois de limpar as lágrimas a mim mesma,  e compreender a quantidade de sal que tinha na minha cara, gasto por alguém que colocando as minhas mãos no fogo, não fez o mesmo por mim, parei. Parei no tempo.
Não sei se alguém já teve um deja-vu destes, mas num instante de segundo, todas as más memórias e maus momentos passaram-me a correr ao lado dos ombros, um atrás do outro, como no principio do filme do "Star Wars", que as legendas correm para trás em direcção ao nada, assim aconteceu comigo.

O melhor nas separações assim de tanto tempo, é a capacidade que nos dá para estar connosco próprios, e ouvir-nos. Pela primeira vez em muito tempo, ouvi as coisas mais horríveis vindas da minha própria cabeça, abafadas por aquilo que parece ser a voz da razão, que me puxa para cima e me diz que a grande imbecil no meio de tanta história sou eu, e que vai ficar tudo bem.
Acredito que o que escrevo pode ajudar outras pessoas, e por isso sou sempre sincera naquilo que digo. Há muita gente a conhecer-me bem, sem eu os conhecer, só por ler o que digo.
O grande erro na minha relação? Tornar demasiado especial aquilo que é normal. Vou-me explicar. Eu aceitei uma pessoa na minha vida, que toda a gente me deu três e quatros avisos, por as histórias que se ouviam, por os rumores. Eu ando de mão dada com os boatos e os rumores desde que sou uma miúda, não porque nasci em Faro e em Faro toda a gente fala de todos, mas porque sempre tive uma estrela na testa que me atraiu para a merda alheia. Mas nunca me importei. Por isso mesmo dei a mão, o coração, e o meu corpo a alguém que na minha inocência, pensei ali ver o homem da minha vida.
Agora que choro e estou podre, e não quero saber mais do que me dizem, as pessoas sentam-se à minha volta e dizem que não compreendem, o que eu vi em tal pessoa. Confesso que começo a ver menos mas da mesma maneira, ainda vejo qualquer coisa. Não sei se foi o sorriso, não sei se foram as mãos, não sei se era a maneira que ele tinha de dizer que me amava todos os dias, ou de me surpreender de mês a mês, não sei se era como ele me pegava, como cuidava de mim, ou como me olhava quando eu chorava sem razão, mas havia qualquer coisa naquele rapaz que me fazia acreditar que afinal, nem todos os homens eram iguais. E tive mil e uma provas que afinal ele até podia ser igual aos outros e que o sorriso não era só para mim, mas mesmo assim, eu acolhia-o sempre outra, e outra vez, porque sabia que ele era novo, e um gaiato, e não me chegava aos pés no campo da maturidade.
Eu aceitei-o como um projecto meu. Ia-o melhorar com o tempo, ia-o meter a ser um cavalheiro, ia tirá-lo do bairro, tirar os palavrões da boca dele, fazer com que ele visse que havia vida para além daqueles prédios côr-de-barro, com pessoas com línguas cheias de veneno.
Ia metê-lo a estudar outra vez, ia viajar comigo pelo mundo. Ia torná-lo naquilo que na minha cabeça, ele tinha nascido para ser, mas que as circunstâncias em que se encontrava o proibiram de tal. Asneira minha. Tantas vezes que repeti a amigas minhas cornas que ninguém muda ninguém, e mesmo assim achei que ia ser a pioneira nesse campo.
Não fui, mais uma vez quis tornar especial aquilo que a vida temperou logo à partida com o rótulo de "amor normal, passageiro e sem futuro." Li-o tantas vezes nos olhos das pessoas quando me perguntavam sobre o que queria para o meu futuro, mas como sempre achei que tinha um pouco da "Mulan", a mulher que acreditava que conseguia mudar o mundo e encarar tudo aquilo que diziam não ser capaz de fazer, deixei-me iludir e ficar na sala de cinema tempo demais.
A maior piada no fim das relações, é imaginar-nos a nós próprios, a ver o filme da nossa relação. Já se imaginaram? Dentro de uma sala de cinema cheia de gente, esperando ver um filme pacato, e de repente começar a dar a história da nossa vida? Os risos que se iam ouvir, o "era óbvio", o "que parva", encoam-me na cabeça e ainda agora estou no principio, nem as pipocas comecei a comer.
Tenho a sensação que agora vou ter mais gente a ler-me os textos, o fim de uma relação, e o processo de esquecimento que nos passa pelas mãos, é possivelmente a forma mais complicada que um ser humano tem de se desligar de memórias, pessoas e momentos queridos.
Fechar a porta na cara de alguém que se ama, é das coisas mais difíceis que alguém pode fazer. Especialmente quando esse alguém sou eu, calçada nos meus sapatos, a espalhar a palavra do amor e a dizer que acredito que há pessoas que nasceram umas para as outras. Acho que a parte mais difícil de me desgrunhar do que vivi já passou. Imaginem-se colados a alguém com cola super três, e a força que se tem de fazer, a carne e a pele que vêem rasgadas, e a roupa que nunca mais fica igual, para se separar de alguém que se ama.
A parte mais difícil já passou, porque já sei que não és o homem da minha vida. Não podes ser. A vida tem de ter algo mais fascinante, mágico e barulhento do que um romance que acaba por vontade de terceiros.
Eu não posso viver uma história de amor contigo.
As histórias de amor são para ser vividas a dois, com carinho, respeito, compreender que há imprevistos, com confiança e empurrando todos os narizes que se tentam meter.
O homem da minha vida acredita mais do que tudo na independência dele, deve estar apaixonado por alguém agora que lhe há de partir o coração, assim como fizeram com o meu, para um dia termos um motivo de rir e explicar o que nos empurrou um para o outro. É alto, quer ter uma profissão, e está a estudar para isso.
O quarto dos sonhos dele é como eu o quiser fazer, e vai querer viver numa vivenda aconchegada e bem decorada, em que ao domingo come-se pão com compota e vê-se filmes a preto e branco. E por mais ridículo que isto lhe soe, ele vai gostar, porque fui eu que imaginei assim.
Tu nunca podias ter sido o homem da minha vida. Embora te ame para tal.
Aproveitem as relações, amem tudo o que tenham para amar, não deixem ninguém meter-se demais, pais obsessivos, irmãos malucos, deixem tudo à borda do prato. Amem só aquela pessoa com quem se deitam. Quando virem que amam, mas que as coisas não têm rodas para andar, amem-se a vocês próprios. Imaginem-se no vosso mais pleno estado de felicidade, dentro dos vossos sonhos, com a pessoa que está ao vosso lado, a corresponder-se da mesma maneira, a viver esse estado, e também nos sonhos dela. Se for possível.. Jack Pot, senão, amores, há sempre lugar ainda no Bingo.
Um bom fim-de-semana para todos! Não se esqueçam de ser felizes.

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