2015

Imagina-te num túnel.
Só tu, tudo apagado, não vês a saída nem a entrada. 
À tua volta estão a passar a velocidades incríveis todas as imagens da tua vida que gostavas de não ver. 
Vês os teus pais no chão, vês-te a ti mesma no chão, vês os homens que já te magoaram e as pessoas que já te cuspiram em cima. 
Ouves os gritos que deste, os que querias ter dado e os das pessoas que amas. 
O teu corpo treme e perde as forças à medida que o ruído aumenta. 
Está tudo tão rápido e tu estás tão lenta. 
No meio da correria que são as imagens dos caminhos em que passei, aperto-me com a força que ainda consigo ter.
Só para ter a noção que ainda cá estou.
Não há marca que deixe em mim mesma que doa mais, do que a saudade de algumas pessoas.
Umas aparecem nas imagens que estou a ver, outras ainda estão ao meu lado mesmo sem estarem.
"Quem me dera estar aí contigo".
Olho-me e pergunto-me se estou louca.
Afinal tenho uma predisposição genética para acabar cucu.
E por muito que me queira encaixar em qualquer distúrbio mental que possa ter sido alimentado por as mais diversas razões, a realidade é que todos nós, nos tornamos menos certos depois de nos partirem o coração.
E o problema é que nunca autorizámos.
Teria sido um privilégio que me tivesses partido o coração por chegar atrasado a um filme que quisemos muito ver, por teres escolhido a música errada, ou não me teres conseguido fazer rir num dia menos bom.
Mas eu nunca te disse que não haveria problema, em me partires o coração por estares numa estrada diferente da minha.
Numa casa diferente da minha.
Num caminho diferente do meu.
O meu coração foi partido, e de certa forma, dá mais força para que me sinta menos segura no túnel em que estou enfiada.
Engordas e emagreces sem teres noção, perdes o brilho de outros tempos e o reflexo ao espelho já não é o teu.
Não reconheces quem está à tua frente. 
No meio de tanto barulho e de um corpo já tão fraco, que já só encontra conforto quando não está nele mesmo, e que vive em histórias de amor que nunca aconteceram, chega alguém que te tapa os olhos com um braço e os ouvidos com as mãos. 
É complicado, porque por muito que alguém te tape os olhos, há imagens que não precisas de os ter abertos para veres.
Por muito que alguém te tape os ouvidos, ponha a música demasiado alta ou te encha de palavras que sempre quiseste ouvir, há vozes que nunca vão sair de dentro de ti. 
Mas eu gritei tanto, tanto, que acho que abafei tudo o que possa ter vindo de fora.
A maior luta que tens em toda a tua vida, é contigo mesma.
De tanta coisa que me poderias ter tornado, tornaste-me mais forte.
Podíamos ter sido namorados, companheiros de vida ou de quarto.
Ficámos só mais fortes.
E por hoje chega.
Aceito e embalo, tudo isso que nunca foi.
Levo às costas da maneira mais agridoce que consigo, a imagem de ti.
O tempo parou de correr tão depressa e fez-se justiça ao que se diz.
Existe sempre uma luz ao fundo do túnel.
Começa a desaparecer e as imagens começam a desvanecer-se. 
Já ninguém grita, ninguém se come por dentro ou se destrói.
A febre passa, mesmo que tenhas que mergulhar mil e uma vezes nos sítios mais frios pelos quais já passaste.
Tu própria.
E quando as paredes finalmente caem, a única coisa que voltas a ouvir é o bater do teu coração e a respiração da pessoa que tens atrás de ti. 
O comboio parou.
E se eu meter o pé de fora e sair da carruagem que sempre foi o que conheci até agora, há uma forte probabilidade de não ser eu mesma nunca mais. 
Mas mesmo assim, e porque o meu corpo quer um pouco mais que tudo isto, eu ponho a cabeça de fora do comboio. 
E és tu que vejo. 
Ele fez-me não querer morrer nunca mais, num mundo em que quase tudo está morto.
O meu coração continua a bater, e as imagens fazem só parte de alguma coisa, que nem eu mesma sei o que é.
Afinal estou viva.

https://www.youtube.com/watch?v=ztNXYGLNyps

Comentários

  1. É tão engraçado ler os teus textos do fim para o principio, vê-se claramente a forma como melhoraste a escrever mais a mulher bonita em que te tornas.
    É muito bom existir alguém que escreve assim e não tem medo de partilhar as experiências com quem a rodeia, (nós, o público, que não te conhecemos).
    Há quase quatro anos que te leio, e tenho a certeza que brevemente darás um grande salto, de um blog para as prateleiras de uma livraria e certamente para as da minha casa.
    Um grande abraço do Porto.
    António M.

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  2. Ouvi a música com o texto, brutal!
    estás a melhorar, cumpts

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  3. És alguem muito especial pra todos nós de coração partido!

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    1. Vocês todos são muito mais especiais para mim. :) !

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    2. Obrigada por existires Inês! és mesmo muito especial.

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  4. Olá Inês, sigo o teu blog à dois anos e não existe um mês em que não te leia. Já me senti morta,já quis até ser atropelada por tão perdida que estava. Quis pôr termo há vida. Eu sou filha única e desde muito nova fui habituada ao mimo e a ser centro das atenções. As pessoas que me rodeavam fascinavam-se com a roupa, com os meus materiais, com aquela luxúria toda que se tem quando os pais nos dão tudo sabes? Vivia num mundo de interesses e gostava. Tinha 14 anos quando me apaixonei verdadeiramente e não era nada aquele tipo de rapaz que "as nossas mães irão gostar", era mulherengo, beijava qualquer uma, mas foi o único durante toda a minha vida que me fez sentir borboletas na barriga. Durou 3 meses e fui traída mais de 3 vezes. Ele deixou-me, trocou-me pela rapariga que mais me humilhou. Então sabes aquela menina mimada ? Deixou de existir. Tornei-me num depósito de rancor e ódio. Fazia de tudo pra que todos os meus caminhos fossem de encontro a ele. Fui pra cama com um dos seus melhores amigos. Tornei-me uma cabra.
    Hoje tenho 20 anos e namoro com ele há 3 anos, a vida voltou-nos a juntar. Acontece que eu olho-me ao espelho e não gosto do que vejo, sinto um vazio que nem ele o consegue ocupar dentro de mim. Se por um lado cresci enquanto pessoa por outro tornei-me num monstro pra atingir um objetivo, pra poder tê-lo comigo! O teu blog ajuda-me a reencontrar a menina doce que eu era. Obrigada por existires!

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  5. FELIZ ANO INES!! ADORO-TE

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  6. Adoro o teu blog! Se puderes visita o meu, sou principiante 😊

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