Mãe, conheci um rapaz.



Mãe, conheci um rapaz.
Pela primeira vez segui os conselhos que me deste.
Era bonito, era alto, não acreditava na moda das tatuagens nem das saídas à noite.
Dizia-me que as traições eram para os fracos, dava-se bem com as ex-namoradas e tinha um sorriso engraçado.
O aspeto sempre foi discutível entre nós as duas, porque enquanto achas piada a colónias caras e a rapazes de bonita dicção, eu sempre gostei do cheiro a perdido.
Mas este vá, não tinha mau aspeto, e com certeza que ia ser bem aceite em jantares de família.
Dizia sempre o certo no momento esperado, dizia só palavrões para dar um ar de graça, e não achava piada ao ar que ganho quando estou de coração partido.
Menti-lhe, mostrei o que quase todos queriam ver, e atrás de um sorriso bonito e olhar diferente, disse que nunca me tinha apaixonado por ninguém.
Mesmo que por instantes e numa fracção de segundo, me tivesse passado um rosto na cabeça.
Tu sabes o quanto os homens gostam de ouvir que nunca encontrámos o amor verdadeiro.
Então bloqueei o menos certo, e aceitei o errado como meu.
Fiz de conta que estava apaixonada.
E por instantes, vi esperanças numa pessoa que não me dizia nada.
Vi-o como me vejo de fora, alguém apaixonado sem conhecer puto da mulher que tem à frente.
Então o gajo era impecável, licenciado, cheio de cultura e hobbies interessantes aos comuns mortais.
Tinha uma alimentação saudável, falava de assuntos sérios, fazia muito desporto, e não fumava erva.
“Adoro o que escreves, odeio ver uma mulher a fumar.”
Todo cheio de quês, não gostava muito da minha música e nem sabia quem é o Halloween.
Não sabia dos dias perdidos e das garrafas de vinho debaixo da mesa da cozinha.
Não me viu as tatuagens.
Não soube da quantidade de vezes que saí à noite para tentar encontrar, os pedaços de mim que perdi quando me apaixonei.
Não imaginou que os arranhões nas paredes da casa, fossem de dias menos bons em que tentei tirar cheiros antigos.
Achava só que não tinha jeito para bricolage.
Achou que eu era despistada, quando me esquecia de atender.
Achou que falava pouco, quando não lhe queria ouvir a voz.
Achou que estava de fones ao lado dele, porque queria associar-lhe músicas.
"Inês, gosto tanto de ti."
"Eu também gosto muito de ti", enquanto te via a cara atrás da sombra de uma pessoa, que nunca vi na realidade.
Continuei a ver-te em todo o lado.
Achou que eu era quem escrevia. 
Uma miúda que acreditava em amor impossível e esperava sentada, à espera que o homem da minha vida se cruzasse no meu caminho. 
Não fazia ideia que já me tinha cruzado.
Nem fazia ideia, do quanto me perdi na esquina em que nos esbarrámos.
Ainda lá estou, no mesmo sítio, com o mesmo sorriso, à espera que as coisas voltem a ser normais. 
O tempo parou quando nos conhecemos.
E por muito que tente, corra ou desapareça, ainda não arranjei forma de fugir de mim mesma.
Deixei de ser eu há muito tempo.
E de todos os que vieram e passaram, sem me lembrar sequer da voz ou do segundo nome, foram todos para tentar tapar o vazio que ficou em mim.
Uns ouviam o mesmo estilo de música.
Outros tinham a voz parecida.
Outros diziam merda.
Outros eram só simpáticos.
Conheci-os a todos, e fiz de conta que me perdi deles no caminho de volta a casa.
Estou-me a tornar naquele tipo de mulher, que procura metades do homem que quero,
nos meios homens que acham que me vou apaixonar.
Mas este mãe, dei-lhe o beneficio da dúvida.
Era tão dentro dele, e tão fora de mim, que achei que se tentasse muito,
um dia iria querer andar de mão dada.
Tão bom rapaz.
Tão bom rapaz, que o tentei ver a ouvir halloween, que o quis ver à janela de casa a fumar erva, tão bom rapaz que o quis menos bonito, menos bem educado, e mais anormal.
Quis ouvi-lo a dizer coisas sem sentido, a ser idiota e a ter pouco jeito.
Ele ofereceu-me a normalidade e estabilidade,
que me disseste em adolescente que devia procurar num homem.
"Sou normal, ser normal é bom."
Coitado, ser normal só é bom quando não se está à minha frente.
Fiz tanta força para me apaixonar, que me apaixonei ainda mais por quem já estava apaixonada.

Desculpa mãe, conheci um bom rapaz.
E ainda continuo apaixonada. 

Comentários

  1. Batam palmas a esta mulher!!!
    A diva está de volta!

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  2. Demasiado bom para ser verdade.

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  3. As pessoas apaixonam se pela tua sinceridade, mesmo quando admites que não és sincera com alguém. Confuso, não é?

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  4. QUE SAUDADES DESTA MULHER!

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  5. Adoro! Um dos melhores, sem dúvida.
    Identifiquei-me em tudo!

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  6. É incrível a forma como me identifico com cada texto que escreves !!
    Continua, tens um futuro brilhante pela frente !
    E obrigada por mais este texto e todos os outros.

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  7. https://www.youtube.com/watch?v=i6EZe14l-Ug
    Não te conheço de lado nenhum, e quando oiço isto vens-me tu à cabeça numa esquina qualquer, à espera do homem da tua vida. Mas não esperes muito... às vezes passam-nos ao lado pessoas que valiam a pena conhecer.
    Beijo senhora.

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  8. HALLOWEEN CARALHO! LINDO!!!!

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  9. Não nos prives dos teus textos por muito tempo . Parecendo que não eles ajudam muitos dos teus leitores a ultrapassarem os seus problemas do dia a dia e a não se sentirem tão sós neste mundo cheio de gente hipócrita e falsa, que uma máscara com qualidades mais facilmente bem aceites pela sociedade e mais ''bonitas'' passou a ser a única maquilhagem que usam, para disfarçar a podridão que existe dentro delas . Estes textos só dão esperança porque há gente sem problemas de assumir a sua maneira de estar e gostar da vida como tu, que és uma inspiração ! beijo

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  10. palavras que tocam. poderosas mesmo! adorei *

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