Parte 1

Quem me dera, 

conseguir ser dessas,

que viram as estrelas.

Mas eu sou filha da tempestade,

da chuva, e do tornado.

O sol não foi pai,

Ventos quentes não foram mãe,

E quando a primavera finalmente chegou,

Eu não a vi.

/////

Durante a minha curta e pequena existência, tive dois sonhos que me fizeram acordar em pranto.
O primeiro, foi na noite antes de a minha avó falecer.
Sonhei que estava deitada no peito dela, enquanto se despedia de mim.
Passava-me a mão na cabeça infinitas vezes enquanto me assegurava que ia ficar bem, mas que estava na hora de partir.
Foi estranho, porque era assim, naquela mesma posição, que me costumava adormecer em miúda.
Acordei cheia de suores frios, com a dúvida se realmente eu tinha sonhado, ou se algo estranho se teria passado naquela madrugada, em que quase jurei sentir o cheiro da laca que usava no meu quarto. (Jesus, como eu odiava o cheiro daquela laca enquanto a tinha, e as saudades que hoje sinto).
A verdade, é que depois de adormecer, acordei com uma mensagem da minha mãe na manhã seguinte.
"A avó partiu esta noite".
Muito chorei eu, nunca sabendo se tanta lágrima se devia a como me foi dada a notícia, ou pelo mistério do sonho em si.
O segundo sonho, aconteceu dias depois de ter descoberto que estava grávida.
A minha cabeça estava uma confusão, e eu pensei realmente que não estava pronta para ser mãe, e que talvez o mais correto fosse não o ser.
Tinha tanto medo de fantasmas antigos, que dentro de mim, a única certeza que tinha, é que o meu caminho era sozinha; mais cão menos cão, mas sem filhos, e famílias à mistura.
Nessa noite, a minha avó voltou-me a aparecer num sonho.
Estava numa divisão, cheia de luz, sentada numa cadeira de balanço.
Ao aproximar-me, compreendi que tinha um bebé nos braços, e congelei.
Ela embalava o bebé da mesma maneira que me embalou a mim, e disse-me, com o seu ar meio autoritário meio de anjo, que metade dela voltaria para me acompanhar, na forma de uma menina.
E do nada, o sonho desapareceu, ela e a bebé também, e eu acordei.
No dia seguinte ao dirigir-me ao médico, a primeira data que o médico me deu de possível nascimento, foi o aniversário da minha avó.
Meses mais tarde descobri que era uma menina, e comecei a reler tudo o que já tinha escrito sobre a possibilidade de um dia vir a ser mãe de uma gaiata. (um desses textos está neste mesmo blog)
Lembro-me de pensar para mim "Mas quantas vezes já vivi eu esta vida?", e a conclusão a que cheguei, é que a imagem assustadora de ser mãe, não correspondeu mais tarde ao sentimento que carrego em mim de proteger, e cuidar até ao dia em que a morte me leve, deste pedaço de mim.
Faltam menos de dois meses para te conhecer.
Às vezes acho, que se há quem goste de mim, tu hás-de conquistar corações e empatia mundo fora.
Hás-de ser uma versão muito melhor que eu, porque quem cá está para garantir isso, sou eu mesma.
De tanto querer que nasças num ambiente saudável e bonito, afastei gente da minha vida que nunca pensei afastar.
E aí é a tua magia, Flôr; a capacidade infinita que os filhos dão aos pais, de optarmos somente por o que é melhor para vocês.
A vida tem sido cruel muitas vezes, e há uma frase que diz, que as pedras que nos atiram, um dia servirão para construir um castelo.
No nosso caso, as pedras que tenho vindo a recolher, serviram para construir a ponte que liga os nossos corações.
Essa ponte não se quebra, não desaparece com o tempo, fica para a eternidade num local qualquer, em que as únicas pessoas que lá conseguem chegar, sou eu e Tu.
Vir a ser mãe fez-me compreender muita coisa, mas mais ainda, fez-me não compreender muita mais.
O meu pai disse-me uma vez, que a missão de qualquer pai ou mãe, deveria ser, ser melhor pai do que o nosso próprio, ou melhor mãe que a nossa mesma mãe.
Que só assim, um dia chegaríamos a gente feliz e concretizada.
Missão concluída.
Mal posso esperar para te conhecer;da tua mãe, Inês.